quinta-feira, 19 de setembro de 2013

O Fotógrafo

Na minha carteira, tenho a foto de um dinossauro. Já tirei muitas outras fotos inacreditáveis, mas essa sempre será a que mais me emociona. Trata-se de um belíssimo exemplar de brontossauro se alimentando de uma conífera, com 3 filhotes ao seu lado fazendo o mesmo. Quando obtive essa câmera, minha primeira e única intenção era fotografá-los. Eu sou fanático pelos grandes répteis desde criança. No meu quarto você ainda poderá encontrar uma coleção enorme de enciclopédias, bonecos de plástico e pedaços de livros, revistas e jornais com informações sobre o período jurássico. Infelizmente só foi possível fotografá-los uma vez, a câmera não permite mais que isso.
Ainda estou excitado pela foto recém tirada do brontossauro, mas agora preciso concentrar minhas energias em achar o caminho para casa. Casa! Faz duas semanas que estou fora de casa, e já vi tanta coisa! Não sei quando vou voltar, e muito menos quando estarei de volta. Não sei nem mesmo onde estou agora. Acredito ser uma fábrica, ou linha de montagem. Não sei que oportunidades me esperam por aqui, mas preciso escolher bem, já que só tenho direito a uma foto.



Os corredores estão bastante vazios, talvez não seja horário de expediente. Vou andando em meio às maquinarias, maravilhado com a capacidade do ser humano em construir máquinas tão grandes nessa época. São milhares e milhares de peças e engrenagens funcionando ao mesmo tempo, e aparentemente a energia elétrica ainda não é utilizada. Não vejo ninguém, mas escuto vozes distantes. Caminho lentamente pela fábrica, esperando encontrar uma saída sem ser visto. Afinal, não gostaria de desperdiçar essa foto com algo inútil.
De súbito escuto uma voz mais alta. Me escondo atrás de qualquer coisa, e vejo duas pessoas passando, conversando em alemão. Não sei falar alemão, mas imagino que deveria ter aprendido, já que eles constituem minhas raízes (a família Kobermann veio da Alemanha para o Brasil na época da segunda guerra mundial). Enquanto espero pelo fim do perigo de ser visto, tiro a foto do brontossauro do bolso, e passo a admirá-la novamente. Ela me traz uma sensação de tranquilidade que não consigo explicar.
Quando vejo que está seguro sair, volto a andar pelos corredores da fábrica. Não percebo o vapor vindo em minha direção, e sou atingido por uma rajada de água e vento, que me desequilibram, e me fazem beijar o chão. Mas não só isso. A foto pré-histórica é arremessada ao ar, e vejo-a passando pelo meio da maquinaria para outro corredor. Corro desesperadamente em sua direção. Passo por cima de uma esteira em funcionamento, desvio de alguns barris e peças soltas, e finalmente a encontro estacionada em cima de uma caixa de ferramentas. Guardo-a cuidadosamente dessa vez, prometendo a mim mesmo nunca mais ser tão idiota.
Mas para meu infortúnio, a corrida pela foto me fez ser notado. Vejo três homens correndo em minha direção falando frases indistinguíveis. “De novo não”, penso, pois essa não é a primeira vez, e talvez nem a última, que precisarei correr de desconhecidos de épocas estranhas antes de chegar em casa. Corro, pulo, passo por cima e desvio de metais e aparelhos até que me vejo seguro em um canto da fábrica que serve muito bem como esconderijo. Deixo a câmera preparada, talvez não seja uma boa idéia perder mais tempo aqui.
Ouço um pequeno ruído ao meu lado, e finalmente noto que há duas pessoas me olhando, um operário e uma mulher. Peguei eles em um momento particularmente constrangedor, o homem está com o rosto sujo de batom, e a mulher com um seio para fora. Após o susto de ambas as partes, eu tento algum tipo de comunicação, mas sem sucesso. Eles estão receosos, como se pensassem que sou um bandido. Vejo então que o homem possui uma espécie de etiqueta em sua roupa de trabalho, onde está escrito “Kobermann, Zacharias”.
Percebendo quem está na minha frente, fico pasmo e sem saber o que dizer. Zacharias é um nome bastante citado em nossas reuniões de família, foi um desses homens que deram uma reviravolta em sua vida e ficaram ricos. Casou-se com uma bela donzela, e construíram uma ótima vida em Berlim. A fortuna que Zacharias gerou ainda é passada de geração em geração através de heranças. Olhando para ele agora, vejo que ele realmente tem uma semelhança com meu avô. Gostaria de dizer alguma coisa para ele, mas não consigo calcular os motivos que tenho para não fazê-lo, a começar por não saber alemão.
Ouço vozes. Alguém me viu vindo nessa direção, devem estar chegando aqui. Se me encontrarem, certamente encontrarão meu tatatatatatataravô (não sei quantos “tás” são), e nesse caso, acho que essa pequena viagem poderá destruir todas as chances dele se tornar alguém de sucesso na vida. De súbito me lembro: A câmera! Talvez eu consiga tirar uma foto que valha meu tempo nesse lugar.
Tiro o protetor da lente, arrumo a mesma em meu pescoço, digo “Wiedersehen” para o casal (uma das poucas palavras que conheço), e saio correndo pela fábrica novamente. Segundos depois, vejo policiais alemães vindo em minha direção. Viro na direção deles, e paro no meio do caminho, esperando eles se aproximarem. Ainda é possível ver a entrada do pequeno esconderijo, que nada mais é do que um canto onde maquinarias antigas estão empilhadas, tornando difícil perceber que há espaço por trás delas. Bom, ao menos os policiais não perceberam, o que me faz ficar aliviado.
Eles se aproximam gritando, e parecem intrigados com o aparelho em minha mão. Agem como se fosse uma possível arma. Param a alguns metros de distância, apontando suas espoletas e gritando em alemão, enquanto eu aguardo. “Só mais um pouquinho”, penso. Recuo três passos para trás, e os policiais acompanham vindo um pouco para frente.
Mais alguns segundos depois, e vejo o rosto de Zacharias espiando sorrateiramente para ver o que estava acontecendo. “É agora!” Levanto a câmera, me posicionando para bater a foto. Os policiais começam a atirar, enquanto três deles saltam em minha direção, e nesse momento eu bato a foto.
Me vejo em outro lugar. Uma avenida, talvez, mas não é bem uma avenida, pois não há avenidas onde estou. Olho para frente e vejo escombros do que um dia foi uma avenida, além de lixo e alguns mendigos procurando coisas no meio da destruição. Olho para cima e vejo naves voando em todas as direções, dentro de tubos transparentes que devem ser agora as novas avenidas. Sinto uma dor no braço, de uma bala que passou de raspão. Por enquanto nada disso é importante.
Retiro a foto recém-revelada da câmera, ansioso para ver como ficou. Vejo nela um grupo de policiais alemães apontando armas e vindo para cima de mim com cassetetes. Ao fundo, as máquinas estão em funcionamento, deixando o lado esquerdo superior da foto coberto de vapor, enquanto no canto direito superior há um pequeno rosto assustado e curioso, após ter sido surpreso enquanto construía a minha família.
Guardo essa foto junto com a do brontossauro, e continuo minha jornada, esperando voltar para casa em breve.


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Este conto também está publicado em:
O Nerd Escritor
Roda de Escritores
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